sexta-feira, fevereiro 22, 2008

PROVAS VOLUNTÁRIAS

Estamos nos aproximando da Semana Santa. Uma das coisas que sempre me intrigou foi o sacrifício físico em oferta espiritual, como se isso equivalesse a um sacrifício espiritual. Uma das passagens do Evangelho Segundo o Espiritismo oferta um riquíssimo material para reflexão sobre o assunto, que de tão bem abordado, dispensa explicação. É um texto delicioso, que deve ser lido sem pressa, com a alma aberta, vejamos:

“Perguntais se é permitido abrandar as vossas provas; essa questão leva a esta: é permitido àquele que se afoga procurar se salvar? Àquele que tem um espinho cravado, de o retirar? Àquele que está doente, de chamar um médico? As provas têm por objetivo exercitar a inteligência, assim como a paciência e a resignação; um homem pode nascer numa posição penosa e difícil, precisamente para obrigá-lo a procurar os meios de vencer as dificuldades. O mérito consiste em suportar sem lamentação as conseqüências dos males que não se podem evitar, em perseverar na luta, em não se desesperar se não for bem sucedido, mas não num desleixo que seria preguiça mais que virtude.
Essa questão conduz naturalmente a uma outra. Uma vez que Jesus disse: “Bem-aventurados os aflitos”, há mérito em procurar as aflições, agravando as próprias provas por sofrimentos voluntários? A isso responderei muito claramente: sim, há um grande mérito quando os sofrimentos e as privações têm por objetivo o bem do próximo, porque é a caridade pelo sacrifício; não, quando não têm por objetivo senão a si mesmo, porque resulta do egoísmo por fanatismo.
Há aqui uma grande distinção a fazer; para vós, pessoalmente, contentai-vos com as provas que Deus vos envia, e não aumenteis sua carga, às vezes, tão pesada; aceitá-las sem lamentações e com fé, é tudo o que ele vos pede. Não enfraqueçais vosso corpo com privações inúteis e mortificações sem objetivo, porque tendes necessidade de todas as vossas forças para cumprir a vossa missão de trabalho na Terra. Torturar voluntariamente e martirizar vosso corpo é contravenção à lei de Deus, que vos dá o meio de sustentá-lo e fortificá-lo; enfraquecê-lo sem necessidade é um verdadeiro suicídio. Usai, mas não abuseis: tal é a lei; o abuso das melhores coisas traz sua punição nas conseqüências inevitáveis.
Outra coisa é o sofrimento que se impõe para alívio do próximo. Se suportais o frio e a fome para aquecer e alimentar aquele que disso tem necessidade, e se o vosso corpo com isso sofre, eis o sacrifício que é abençoado por Deus. Vós que deixais vossos aposentos perfumados para ir à mansarda infecta levar consolação; vós que manchais vossas mãos delicadas cuidando de chagas; vós que vos privais do sono para velar à cabeceira de um doente que não é senão vosso irmão em Deus; vós, enfim, que usais vossa saúde na prática de boas obras, eis o vosso cilício, verdadeiro cilício de benção, porque as alegrias do mundo não secaram vosso coração; não adormecestes no seio das volúpias destruidoras da fortuna, mas vos fizestes anjos consoladores dos pobres deserdados.
Mas vós, que vos retirais do mundo para evitar suas seduções e viver no isolamento, qual a vossa utilidade na Terra? Onde está vossa coragem nas provas, uma vez que fugis da luta e desertais do combate? Se quereis um cilício, aplicai-o sobre vossa alma e não sobre vosso corpo; mortificai vosso espírito e não vossa carne; fustigai vosso orgulho; recebeis as humilhações sem vos lamentar; pisai vosso amor-próprio; resisti contra a dor da injúria e da calúnia, mais pungente que a dor corporal. Eis o verdadeiro cilício, cujas feridas vos serão contadas, porque elas atestarão vossa coragem e vossa submissão à vontade de Deus.”

(Um Anjo Guardião, Paris, 1863 – O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo V, item 26)